Bandido bom é bandido morto? Errado! Um bandido, muito antes
de ser bandido, é um ser humano, assim como nós, supostos cidadãos “de bem”,
que proferimos tal desatino com a arrogância típica dos fascistas. O “bandido” de
que falo, fruto da exclusão social e da marginalização institucional, é um cidadão
sem cidadania, que lhe foi solenemente solapada já antes da sua concepção. Ele
é vítima de uma sociedade doente e de um estado burguês que lhe recusam os
direitos humanos mais elementares, tais como educação de qualidade, moradia
digna, saúde e alimentação, além de respeito e afeto, cuja falta é capaz de embrutecer
a mais terna das criaturas.
O bandido é um subproduto da desigualdade social, da
concentração de riqueza e do preconceito, elementos constitutivos do sistema
capitalista. Ele é o anti-herói que, diante da total inexistência de
perspectivas, recusa as condições sociais humilhantes e desumanas que lhe são
impostas e reage, de forma primitiva e desesperada, contra a violência de que é
vítima cotidianamente, num ato instintivo de legítima defesa, conquanto
sabidamente equivocado. Subjaz, na ação deste bandido, um anseio inconsciente
de fazer justiça social com as próprias mãos.
O que podemos esperar de um ser invisível, ignorado pela
sociedade, compelido alucinadamente ao consumo de supérfluos que lhe são inacessíveis,
mas que, sem os quais – assim afirmam os publicitários – seu valor no corpo
social jamais será reconhecido? Qual a perspectiva real de quem é condenado
sumariamente pelos olhares inquisidores das ditas pessoas “de bem” em razão das
roupas que veste, da maneira simples de falar, do bairro onde vive ou do
sentimento de inferioridade que pauta sua vida? Que sonhos são permitidos a
esses bandidos sonhar quando a realidade que os engole é um verdadeiro
holocausto pós-moderno? O que podemos esperar destes bandidos além de uma
postura reativa e, no mais das vezes, violenta, contra quem os massacra na
carne e na alma?
Talvez o bandido bom sejamos nós, que, sabe-se lá por que
razão ou privilégio, nascemos com saúde, em famílias estruturadas, tivemos
acesso a uma educação de qualidade, vivemos em condições dignas de moradia,
conquistamos bons empregos pelos próprios méritos, fomos criados cercados de
carinho, afeto e compreensão. Em suma, legítimos cidadãos “de bem”, mas que não
hesitam ser “do mal”, às vezes, quando apresentam como solução mágica para a
violência a simples produção de mais violência contra quem já é violentado
desde sempre.
Talvez sejamos o bandido que uma vida digna evitou.
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