Recorrentemente, deparo-me com o termo “Cultura Inútil” nos
mais diversos círculos que frequento. Proferem-no cabeças pensantes e não
pensantes; mentes conservadoras e progressistas; indivíduos cultos e eruditos,
personagens néscios e ignorantes. Enquanto eu os escuto discorrer sobre a
inutilidade de tais e tais “culturas”, fico a me questionar:
Cultura tem mesmo de ser útil?
Qual seria a utilidade da cultura?
Teria a cultura um objetivo a ser alcançado, uma meta a ser
atingida?
Nesse meu solitário devaneio, que ora me atrevo
compartilhar, receio desconfiar que cultura e utilidade não guardam relação lá
muito amigável entre si. Penso, até, em arriscar dizer que cultura, se for
útil, sequer é cultura, mas minha pouca ousadia, de momento, não me autoriza tal
decreto. Sigamos, então, na linha de que cultura, para ser cultura, dispensa o
caráter de utilidade.
Ora, cultura não precisa ser uma ferramenta ou um
instrumento, tampouco produzir resultados materiais, pois, para tanto, temos a
figura do conhecimento, cujo objetivo é, aí sim, produzir algo, criar,
modificar, promover evolução e aperfeiçoamento, gerar resultados corpóreos e
visíveis – tais incumbências pertencem-lhe exclusivamente. Este sim, o
conhecimento, pode ser qualificado como útil ou inútil; a cultura, jamais. Ela
estará sempre léguas acima destas frivolidades.
A cultura, na acepção aqui proposta, sinto-a muito mais
próxima da sabedoria do que do conhecimento. Numa ótica mais lírica, percebo a
cultura como um valor interno, íntimo, algo como recitar um soneto para si
mesmo, em suaves murmúrios; já o conhecimento, percebo-o como um livro de
cabeceira do qual se lança mão em noites insones. É complexo de se entender –
nem sei se, mesmo eu, entendo –, mas sinto essas duas grandezas abstratas
assim, quase antagônicas, porém complementares.
A cultura me completa, alimenta-me a alma, transforma-me e, permitam-me
um clichê, torna-me mais feliz. Então, novamente pergunto: qual a utilidade de
tudo isso? O que pode haver de útil, de proveitoso, de lucrativo em ser feliz,
em sentir-se completo e de alma transformada? Absolutamente nada! A cultura,
sob as mais variadas formas – literatura, música, teatro... – não produz nada
de concreto, é formidavelmente inútil. É algo belo – por vezes, nem tanto – com
o que nos comprazemos, deleitamo-nos; é algo que diz precisamente quem somos,
porque e como; aponta caminhos e também os constrói; oxigena existências. O
conhecimento, por sua vez, apenas facilita.
Em tempo, lembrei-me de outra questão relevante: a cultura nunca
será útil ou inútil, contudo, pode-se, eventualmente, qualificá-la de fútil,
não por antonímia à utilidade, mas por ter valor cultural questionável, pueril,
superficial. Observem que a erroneamente difundida “cultura útil” (quando se
fala em “cultura inútil”, pressupomos a existência de uma “cultura útil”, o que
produz essa falsa dicotomia) é tão inerentemente contraditória quanto o
“conhecimento inútil”. A cultura é um ente de natureza maravilhosamente inútil,
enquanto o conhecimento traz a utilidade, a proficuidade, na sua essência. O
conhecimento confere poder; a cultura faz transcender.
Tomei coragem: cultura, se for útil, não é cultura;
conhecimento, se for inútil, não é conhecimento. Decreto: toda cultura é
inútil, todo conhecimento é útil, sob pena de, em não assim os sendo, não
existirem como tais.
Fica o dito pelo não dito. Encontro-me, a partir de já,
receptivo às pedras.
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